quinta-feira, 17 de maio de 2012

Alberto Caeiro, Heterônimo de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa
Alberto Caeiro, Heterônimo

*Os heterônimos (diz-se de autor que publica um livro sob o nome verdadeiro de outra pessoa)

Síntese
Considerado o mestre dos demais heterônimos e o próprio ortônimo de Fernando Pessoa, calmo, naturalmente conciliado consigo mesmo e com o mundo, Alberto Caeiro possui a mansidão e a sabedoria que os outros invejam. Aproxima-se da postura do Zen Budismo. Para Caeiro, o importante é ver e ouvir: "A sensação é tudo (...) e o pensamento é uma doença".
Alberto Caeiro é o mais objetivo dos heterônimos. Busca o objetivismo absoluto, eliminando todos os vestígios da subjetividade. É o poeta que se volta para a fruição direta da Natureza; busca "as sensações das coisas tais como são". Opõe-se radicalmente ao intelectualismo, à abstração, à especulação metafísica e ao misticismo. Neste sentido, é o antípoda de Fernando Pessoa "ele-mesmo", é a negação do mistério, do oculto.
Coerente com a posição materialista, antiintelectualista, adota uma linguagem simples, direta, com a naturalidade de um discurso oral. Os versos simples e diretos, próximos do livre andamento da prosa, privilegiam o nominalismo, a "sensação das coisas tais como são". É o menos "culto" dos heterônimos, o que menos conhece a Gramática e a Literatura. Mas, sob a aparência exterior de uma justaposição arbitrária e negligente de versos livres, há uma organização rítmica cuidada e coerente. Caeiro é o abstrador paradoxalmente inimigo de abstrações; daí a secura e pobreza lexical de seu estilo.
A obra em estudo, Poemas Completos de Alberto Caeiro, traz um prefácio de Ricardo Reis (outro heterônimo de Fernando Pessoa, já comentado nesse estudo) que salienta o seguinte:
"Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por um progresso imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras de tê-las, e uma evolução íntima de pensamentos derivados de tais sensações progressivas.
Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre, porém a que não assenta o título de religiosa, por isso que como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo que não contém meras interpretações. Pensei, quando primeiro me foi entregue a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um largo estudo, crítico e excursivo, sobre a obra de Caeiro e a sua natureza e destino fatal.
Tentei com abundância escrevê-lo. Porém não pude fazer estudo algum que me satisfizesse. Não se pode comentar, porque se não pode pensar, o que é direto, como o céu e a terra; pode tão-somente ver-se e sentir-se. Toda obra fala por si, [“...] quem não entende não pode entender, e não há, pois que explicar-lhe.”
Ainda, no prefácio, Reis afirma que a obra é dedicada, por desejo do próprio autor, à memória de Cesário Verde. Fernando Pessoa em sua carta a Adolfo Casais Monteiro afirma sobre Alberto Caeiro: "Caeiro nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma... Era louro sem cor, olhos azuis; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Morreu de tuberculose em 1915".

Alberto Caeiro, nascido em Lisboa em 16 de abril de 1889.
É considerado o mestre dos heterônimos de Fernando Pessoa, apesar de sua pouca instrução. Poeta complexo e enigmático, ligado à natureza, despreza e repreende qualquer tipo de pensamento filosófico, afirmando que pensar retira a visão, não o permite ver o mundo tal qual ele lhe foi apresentado: simples e belo. Afirma que ao pensar, entra num mundo complexo e problemático, onde tudo é incerto e obscuro. Abaixo estão listados os poemas do heterônimo, alguns compilados em livros como O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso, Poemas Inconjuntos e Fragmentos. Nota: Alguns poemas são pequenos fragmentos de poemas maiores.

Sobre o autor
Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em 13 de junho de 1888 em Lisboa. Em 1893 morre seu pai e em 1894, seu irmão, Jorge. No ano seguinte, sua mãe casa-se com João Miguel Rosa, cônsul português em Durban, na África do Sul. Em 1896, a família parte para Durban onde Fernando Pessoa estuda e aprende o inglês. Em 1905, ele regressa definitivamente a Lisboa, com intenção de se inscrever no Curso Superior de Letras. Lê Shakespeare, Wordsworth e filósofos gregos e alemães. Toma contato com a poesia francesa, especialmente a de Baudelaire e lê os poetas portugueses Cesário Verde e Camilo Pessanha. Em 1907, abandona o curso superior e monta uma tipografia que mal chega a funcionar. No ano seguinte, começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em casas comerciais, profissão que exerceu até a morte. Pessoa escolhe uma vida discreta, mas livre, sem obrigações fixas, nem horários. 
Em 1912, Pessoa inicia sua colaboração na revista A Águia. Inicia correspondência com Mário de Sá-Carneiro que, de Paris, manda a Pessoa notícias do Cubismo e do Futurismo. Pessoa escreve, em inglês, o poema Epithalamiun e, em português, o drama O Marinheiro. Vai elaborando o projeto de vários livros e traz um novo movimento: o Paulismo, tudo isso no ano de 1913. No ano seguinte, publica Paúis, sob o título de Impressões do Crepúsculo e aparecem os heterônimos*: Alberto Caeiro e seus discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Fernando Pessoa compõe Ode Triunfal, encaminhando-se para o Sensacionismo e para o Futurismo, sob o heterônimo de Álvaro de Campos. Compõe ainda Chuva Oblíqua (poesia ortonímica), delineando o Interseccionismo.
Em 1915, surge a revista Orpheu, marco do Modernismo em Portugal. O primeiro número, dirigido por Luís Montalvor e Ronald de Carvalho, publica os poemas Ode Triunfal e Opiário (Álvaro de Campos) e O Marinheiro (Fernando Pessoa). No segundo número, saem Chuva Oblíqua e Ode Marítima. No mesmo ano, Fernando Pessoa inicia-se no esoterismo, traduzindo um Tratado de Teosofia. Em 1919, escreve Poemas Inconjuntos, assinados por Alberto Caeiro, apesar deste ter morrido em 1915. Em 1920, Pessoa passa a morar com sua mãe, que regressara, viúva, da África do Sul. Ela falece em 1925. Cinco anos depois, Pessoa escreve mais poemas, assinados por seus heterônimos. Em 1934, publica Mensagem, livro de poemas de cunho místico-nacionalista, única obra em português publicada em vida. Em 1935, no dia 30 de novembro, no Hospital São Luís, em Lisboa, morre Fernando Pessoa.

Alberto Caeiro
“O Mestre tranqüilo da sensação”

Linhas de sentido / Temas recorrentes
· É o mestre que Pessoa opõe a si mesmo, com o qual tem que aprender:
- a viver sem dor;
- a envelhecer sem angústia; a morrer sem desespero;
- a não procurar encontrar sentido para a vida;
- a sentir sem pensar;
- a ser um ser uno (não fragmentado)
· Criador do Sensacionismo, vive se sensações, sobretudo visuais, afirmando que é preciso “saber ver sem estar a pensar”, sem tentar “encontrar um sentido ás coisas”, porque “as coisas não têm significado: tem existência”.
· Recusa a introspecção e a subjetividade, abre-se ao mundo exterior com passividade e alegria. É o poeta do real objetivo.
· Identifica-se com a Natureza, vive segundo o seu ritmo, deseja nela se diluir, integrando-se nas leias do universo, como se fosse um rio ou uma árvore.
· Não quer saber do passado nem do futuro. Vive no presente.
· Lírico, instintivo, ingênuo, inculto (em relação á sabedoria escolar)

Estilo
· Estilo discursivo
· Pendor argumentativo
· Transformação do abstrato no concreto, freqüentemente através da comparação.
· Predomínio do substantivo concreto sobre o adjetivo.
· Simplicidade da linguagem. Tom familiar.
· Liberdade estrófica e do verso, ausência de rima.

Análise da obra
QUANDO VIER…
Alberto Caeiro/ heterônimo de Fernando Pessoa

Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
__________

A graciosidade desse poema está em o eu-lírico aceitar a realidade em si — realidade que dele não depende para existir, e segue, portanto, a um tempo já traçado. Essa aceitação das coisas como elas são encanta ao leitor, ainda que tenha ele, em tese, a obrigação de desconfiar de todas as idéias da poética de Alberto Caeiro, idéias em que há um certo desprezo às interpretações simbólicas de mundo dadas pelas pessoas "místicas" à realidade em que vivem. Estranha contradição de quem aceita as coisas não aceitando o pensar das pessoas! — e Fernando Pessoa "Ele-Mesmo", que se dizia discípulo de Alberto Caeiro, era um conhecedor profundo, e até praticante, das ciências ocultas…
Aqui nesse poema, para que se projete a certeza da estação das flores ("Quando vier a primavera") entrelaçada a uma condição hipotética em que possa estar o eu-lírico ("Se eu já estiver morto"), a Natureza, sem resignação, tem de obedecer a si mesma, ignorando aquele que a amou: "As flores florirão da mesma maneira/ E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada./ A realidade não precisa de mim". Esse ciclo natural (que ecoa, e belamente, o radical "flor" no terceiro verso) o deixará feliz, se assim continuar: "Sinto uma alegria enorme/ Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma".
Ainda que algum leitor desatento leia tais versos como algo espontâneo (alguns lapsos de português aqui são evidentes: "Gosto [de] que tudo seja real […]"; "E gosto [de tudo isso] porque assim seria"), devem todos prestar atenção na aparente simplicidade. É um poeta que busca (dizer) sentir as coisas, e aceitá-las como elas são; contudo não aceita o fato de muitos pensarem o mundo (aqui se lê "raciocinarem"), embora o raciocínio, em pura linguagem de poesia, seja a essência natural do homem, — a própria essência de Alberto Caeiro, heterônimo-mestre de Fernando Pessoa.

Análise do Poema
"Poema Décimo"

"Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?"

"Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?"

"Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram."

"Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti."
Reflexão:
Este poema constrói-se como um dialogo entre o sujeito poético (“guardador de rebanhos”) e um outro que com ele se cruza no caminho (“Aí a beira da estrada”) e que o interpela sobre o significado do vento (vento é símbolo do real). Este diálogo é um processo que permite apresentar dois pontos de vista, diferentes a dois níveis:
· Primeiro, para o sujeito poético, a relação com a realidade passa por sentir apenas essa realidade, sem a pensar ou imaginar; para o seu interlocutor, a realidade é muito mais do que aquilo que se sente, pois é também porta aberta para a memória, a saudade e o sonho;
· Segundo, para o sujeito poético só existe a verdade do momento, do presente; para o seu interlocutor, o presente conduz á memória do passado e a imaginação do futuro.
Pode estabelecer-se uma clara relação entre os pontos de vista assumidos pelas duas personagens com os traços que caracterizam Alberto Caeiro e Fernando Pessoa ortónimo - neste poema, Alberto Caeiro apresenta-se como negação do ponto de vista do ortónimo: “a mentira está em ti”.

Análise do Poema

"Poema Trigésimo Nono"

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser 
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

Reflexão:

O sujeito poético neste poema ao comparar-se com a árvore e com o rio pretende realçar a sua tese de não haver mistério nas coisas.
Alberto Caeiro afirma-se um poeta onde diz que a realidade é apensas o que é, e por isso não tem mistérios a desvendar, contrariando tudo aquilo que as outras pessoas pensam sobre as coisas, acreditando que elas contêm algo mais para além daquilo que é visível.

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