quarta-feira, 16 de maio de 2012

O NAVIO NEGREIRO DE CASTRO ALVES

ANTONIO FREDERICO DECASTRO ALVESNeste poema, Castro Alves dialoga com a poesia lançando seu olhar para os atos malévolos e repulsivos da escravidão.
Era um sonho dantesco... Era uma confusão, um horror atrás do outro. O autor toma emprestado os olhos e as asas do albatroz, ave que voa alto e que pode percorrer grandes distâncias sem o menor esforço. Assim, o autor pôde visualizar desde antes da captura até a viagem dos escravos com destino à terra de seu cativeiro.
O autor mostra em sua observação que os escravos tinham uma vida anterior a escravidão. Uma vida cheia de sonhos, planos de um futuro feliz. Alguns eram reis, príncipes, princesas , pessoas da nobreza  local arrancados de  seu conforto e  arrastados sem o menor pudor.
Ele compara a fila de escravos ligados um ao outro pelas cadeias colocadas em seus pescoços, como serpente. Uma serpente que não podia parar pois o estalar do açoite era ouvido a cada tentativa de descanso. Aqueles que não resistiam a caminhada eram largados ao léu, os que morriam no deserto ali ficavam, os que no navio, eram lançados ao mar. Sem velório, sem enterro, ninguém se importava...
O trabalho forçado começava antes mesmo de chegar ao país de destino, pois era a força de seus próprios braços que conduziam o navio ao seu destino.
Não havia misericórdia.
Com enorme poder de descrição, as aliterações, alusões e rimas bem colocadas dão ao poema uma musicalidade que no faz viajar com o albatroz e visualizar a alma dos infortúnio viajantes.
Ele nos faz seguir todo o trajeto e nos conduz a sentir nojo das atitudes de nossa pátria, atitudes estas que tiram a beleza e deixam rota sua bandeira.
É uma maravilhosa leitura.

Antônio Frederico de Castro Alves (Curralinho, 14 de março de 1847 — Salvador, 6 de julho de 1871) foi um poeta brasileiro.
Nasceu na fazenda Cabaceiras, a sete léguas (42 km) da vila de Nossa Senhora da Conceição de "Curralinho", hoje Castro Alves, no estado da Bahia.
Suas poesias mais conhecidas são marcadas pelo combate à escravidão, motivo pelo qual é conhecido como "Poeta dos Escravos". Foi o nosso mais inspirado poeta condoreiro
O condoreira - condor simboliza a liberdade, por isso geração
Terceira geração - Condoreira
1888 - Abolição da Escravatura
1889 - Proclamação da República
Uso de exclamações, exageros, apóstrofes.
Mulher presente, carnal.
Volta-se para o futuro, progresso.
Luta pela liberdade, temáticas sociais.
Ainda fala sobre o amor.
 O NAVIO NEGREIRO
O Navio Negreiro foi declamado por Castro Alves em 1868, em São Paulo. São dezoito anos após a Lei Eusébio de Queirós. Mas pergunta-se: será que ainda ouvimos ou lemos notícia de trabalho escravo ainda hoje no Brasil do século XXI? Ou o homem ainda continua a ser aquilo que Plauto disse em sua peça Asinaria, v.495, quando o mercador afirmou que não podia dar dinheiro a um desconhecido porque, enquanto desconhecido, já que Lupus est homo homini non homo, o homem é lobo, e não homem, para outro homem? A expressão plautina parece se inspirar no provérbio: Homo homini lupus, o homem é um lobo para outro homem.
Este poema está divido em seis partes. Na primeira envolve-se o leitor numa navegação que ignora o próprio subtítulo do poema: Tragédia no Mar. O poeta aí observa a beleza da natureza. Com recorrência a mecanismos semânticos em relação a hipérboles, metáforas, antíteses, ritmos, que incluem - além da rima, a aférese: ‘Stamos em pleno mar... cuja intenção, embora formal, note-se a manutenção do verso decassílabo, conquista o receptor e o persuade pela reincidência; assim, a iteração ou repetição é uma regra para gerar construções discursivas, como o é também a contração e as crases, embora aqui sejam apresentados exemplos abaixo colhidos em Vozes d’África, vale a pena à digressão ao tema, porque são bem típicos do estilo de Castro Alves. Estão respectivamente nos parênteses: Quan (doeu) passo no (Saa) (raa) mortalhada; ou mesmo a sua pontuação.
O Navio Negreiro é um discurso poético fundado na redundância de múltiplos traços, que não se esgota na simples interpretação ou indicação de metáforas, hipérboles, ritmos ou observação do seu estilo de pontuação.
Ainda na primeira parte, o ouvinte ou o leitor está diante de decassílabos, retomados a cada estrofe com o quase hemistíquio ‘Stamos em pleno mar... E desse modo, se vê num ambiente antitético, mas surpreendentemente compatível com os seus sentidos: Embaixo – o mar... em cima – o firmamento... Como se a imensidade do painel, enfatizado por expressões que denotam grandeza as vagas marítimas, o incomensurável firmamento, astros, dois infinitos, contaminasse nossos sentidos com a visão do condoreirismo do poeta. Elementos estes que ele diz ser plácidos, sublimes, música suave, livre poesia..., e não devem dar espaço a nenhuma navegação, muito menos se esta for escorregadiça, como é o doudo cometa.
Mas navegar é preciso, por isso, o poeta, que mantém o discurso em primeira pessoa como se estivesse presente, quer compartilhar da viagem do veleiro brigue e insiste curiosamente com pedidos exclamativos, indagações, sem sucesso e nem retorno. Pede, então auxílio, criando, neste momento, um símbolo condoreiro: Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas... Aqui, surge uma figuração poética, como na Autopsicografia, de Fernando Pessoa (ele-mesmo), no sentido de:
O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Tal lugar é dimensionado pela hipérbole, contida na iteratividade de expressões, que conotam grandeza, pois ele passa a mencionar a imensidade, o sem fim a ponto de poder existir até dois infinitos. Tudo imbricado em antíteses, como Qual dos dois é o céu? Qual é o oceano?...
Porém, vamos cotejar esta parte com a quinta. Descobriremos nesta comparação uma oposição entre a paisagem que nos foi descrita até agora e a da quinta parte, que é o mar poluído pelo crime. Este novo momento é aquele em que há Tanto horror perante os céus..., este borrão, loucura ou verdade. A primeira parte dá impressão contém a suave paisagem, como já se disse, e até concordamos com algumas edições do poema, que circulam por aí e registram a expressão majestade não escrita por Castro Alves. O que é uma pena, pois, se poderíamos interpretar esta primeira parte como um painel majestoso. Vejamos (CHEDIAK, 2000):
Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!...
Mas o manuscrito de Castro Alves registra:
Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a imensidade!...
Além disso, na quinta parte, Castro Alves invoca a maior entidade do universo e tal apóstrofe se insere no seu estilo de hipérbole: Senhor Deus dos desgraçados! e pede em outra apóstrofe que o mar, local primordial, um espaço de ação in illo tempore, naquele tempo, cheio de mistério e de convulsões, como tufão e onde tudo desaba Astros! noite! tempestades!, para que, pela instância do poeta, apague tudo, até o brigue imundo, como ele o chama lá pelo final do poema.
Também nesta parte cinco há o que se pode denominar de poli-isotopia, cuja tensão advém de metáforas, antíteses, ainda hipérboles, sempre que o poeta tenta descobrir Quem são estes desgraçados e, como não pode faltar a repetição, marcadora de um ritmo, ele enfatiza com a pergunta: Quem são?... A interrogação é uma das principais marcas de linguagem humana. Desde tenra idade o homem identifica o mundo através da indagação. Pode-se dizer que a pergunta é à base de uma investigação científica. Castro Alves reincide-a em suas múltiplas estâncias, como na primeira estrofe da parte final: mas que bandeira é esta, / Que impudente na gávea tripudia?!...; ou, como na quinta parte:
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Daí, seguem-se descrições por antítese, distribuídas regularmente na alternância de cada estrofe, quer dizer, uma indagará, por exemplo, Quem são este desgraçados, outra alternará: São os filhos do deserto... A tribo dos homens nus; de novo: São mulheres desgraçadas e a outra: Lá nas areias infindas... crianças lindas; mais uma vez: Depois o areal extenso... e Ontem a Serra - Leoa,... Sob as tendas d’amplidão...
Mas o nome da África não é mencionado, mas sempre identificando-a nos guerreiros ousados, tigres mosqueados, homens simples, fortes, bravos... e cá, no Brasil, Hoje míseros escravos, cúm’lo de maldade / Nem são livres pra... morrer...
Quanto às reticências, há não a simples lacuna ou supressão de palavras de fácil compreensão, mas o inefável, tão do gosto de uma poesia romântica, com toda a sua significação espiritualizada, a ponto de, na primeira estrofe da última parte, não admitir tanta infâmia e cobardia!...; ou aquela passagem da quinta parte, penúltima estrofe: Ao som do açoite... Irrisão!... Sendo as suas exclamações um suporte ao seu tom de indignação e repúdio ao ato escravocrata.
A leitura da segunda parte, ou seja, a história da marinha no mundo, é uma oposição ao fecho do poema; registra-se, portanto, outra antítese. Assim, Castro Alves distribuiu o compasso de sua antítese entre a primeira e a quinta e a segunda e a sexta, deixando as terceira e quarta partes para a Tragédia no Mar.
O poeta nos faz acreditar historicamente que existiria uma Espanha, uma França, uma Itália ou uma Inglaterra, as potências da época mencionadas por ele, como colonizadoras benevolentes e justiceiras, quando sabemos qual foi o comportamento histórico delas, por exemplo: Montezuma, o último imperador dos astecas, obedecendo a uma lei divina, a hospitalidade, recebeu Fernando Cortez (1485-1547), que, apesar do talento e trabalhos prestados à sua nação e ao mundo, destruiu cruelmente os súditos de Montezuma. Este desgostoso deixou-se morrer de fome em 1520. E por que surgiu o apartheid na África do Sul, senão por causa da ganância humana de descendentes de colonizadores ingleses e holandeses?

E assim, retomando a nossa interpretação, Castro Alves põe em relevo as cantilenas / Requebradas da sensual Espanha, ou a Itália, Terra de amor, ou a predestinação notável da França, bem como a gloriosa Inglaterra. Tudo isso deverá, na sexta parte e logo na primeira estrofe, contrastar com um povo que a bandeira empresta / Pra cobrir tanta infâmia e cobardia!..., que é o povo brasileiro.
O leitor pode até se distrair e pensar que Castro Alves esteja elogiando a bandeira brasileira, devido ao efeito da cadência alcançada na repetição fônica desta aliteração, que retira do nome Brasil, o conjunto de fonema /b/, /z/, /b/, /z/, /b/, /j/, /b/, /s/, como se a sucção sonorizasse similarmente a um beijo: Auriverde pendão da minha terra, / Que a brisa do Brasil beija e balança. Após esse efeito, segue-se uma metáfora tocante: Estandarte que a luz do sol encerra, / As promessas divinas da esperança...
É bem expressivo o fato de Castro Alves quebrar essa seqüência com um anacoluto. Como sabemos é uma construção interrompida, típica de registro de oralidade. Mas Castro Alves sentiu que o seu amor pela pátria estava superando a ruína moral desse povo diante dos seus olhos e tal sedução ele a rejeitou. Daí, ele se voltar para o Brasil e dizer-lhe:
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Observando bem, notamos que tu deveria ser sujeito oracional, mas ficou apenas como antecedente da oração adjetiva e o seu predicado foi eliminado. É interessante que aparecerá como objeto direto da locução houvessem roto, na qual roto está em lugar de rasgado, porque o poeta explorou a aproximação existente entre o particípio e o adjetivo. Ou seja, roto vem do latim, pela forma erudita ruptus, -a, -um, que significa rasgar, quebrar. Eis o compromisso do poeta: Andrada! arranca este pendão dos ares! / Colombo! fecha a porta dos teus mares!
A terceira parte é o espanto do poeta. É a descoberta da tragédia que ocorre no tombadilho de um navio negreiro. Na parte que se segue, a quarta, ele a chama de sonho dantesco. Neste passo, as suas palavras nos fazem ver, ouvir, sentir empaticamente, respirar o clima de terror e, na segunda estrofe, repudiar o paladar das crianças, em cujas bocas pretas / Rega o sangue das mães. A posição das palavras na oração confunde o leitor que não procurar distinguir o sujeito oracional. Mas o que quer Castro Alves com isso? Ele quer a expressividade sonoro dos fonemas do ato do chicote estalar, acentuando a crueldade dos marinheiros no sentido das palavras do comandante:
Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...
Quer também imitar, na disposição métrica: ora pela extensão do verso, ora pela alternância de dois decassílabos com seqüência em redondilhas menor, compondo seis estrofes, a própria forma do chicote cruel no ar. Como se este fosse a serpente:
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
O capitão é o próprio Satanás: E ri-se Satanás!... Nesta expressão, fica concentrado o repúdio à brutalidade. Só mesmo uma entidade tão maligna poderia praticar tamanha atrocidade. E faz a repetição da própria estrofe, cuja metade é a mesma do início desta parte:
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
A harmonização das repetições, no sentido de bis repetita placent, as coisas duas vezes repetidas agradam, tornou o poema de Castro Alves singular. Soube ele escolher traços semânticos virtuais, amplificando e dramatizando a sua eloqüência condoreira, de modo a redimir o escravo do sentido insignificante e secundário em que estava imerso cotidianamente e elevá-lo à condição romanticamente trágica, impondo de tal modo à atenção daquela sociedade tão acostumada e anestesiada pelo hábito de três séculos de escravidão, que superou a banalização de ser normal nascer escravo e é desse modo pungente que lamenta e rechaça:
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Ritmo, como se viu, foi decorrente de movimentos diversos na cadeia do discurso. Em figuras de linguagem, com regularidade nos intervalos, bem como no material fônico, pausa respiratória, entoação etc. Ora, um tique-taque do relógio, um trote da marcha do cavalo ou uma regularidade de som da marcha dos soldados promovem um ritmo. Na linguagem, a rima veio de um compasso de freqüência pela igualdade dos sons em dada posição no verso, em geral no fim, ou seja, foram distribuídos sons idênticos com intervalos regulares, tornando a enunciação mais expressiva.

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