quarta-feira, 16 de maio de 2012

A QUEDA DUM ANJO de CAMILO CASTELO BREANCO

Camilo Castelo Branco
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, 16 de Março de 1825 — São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890) foi um escritor português. Camilo foi romancista português, além de cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Foi ainda o 1.º visconde de Correia Botelho, título concedido por o rei D. Luís de Portugal.
Camilo Castelo Branco, um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa contemporânea. Foi iniciado em 1846 na Maçonaria do Norte
Teve uma vida atribulada que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus escritos literários. Apesar de ter de escrever para um público, sujeitando-se assim aos ditames da moda, conseguiu ter uma escrita muito original.
De uma família da aristocracia de província, era filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, nascido na casa dos Correia Botelho em 1778, que teve uma vida errante entre Vila Real, Viseu e Lisboa, tomando de amores por Jacinta Rosa do Espírito Santo Ferreira, com quem não casou, mas de quem teve os seus dois filhos. Camilo foi assim perfilhado por seu pai em 1829, como "filho de mãe incógnita".
Foi órfão de mãe quando tinha um ano de idade e de pai aos dez anos, o que lhe criou um carácter de eterno insatisfeito com a vida. Estando órfão, foi recebido por uma tia de Vila Real, e depois por uma irmã mais velha, Carolina Rita Botelho Castelo Branco, em Vilarinho de Samardã, em 1839, recebendo uma educação irregular através de dois padres de província.
Na sua adolescência formou-se lendo os clássicos portugueses e latinos, literatura eclesiástica e em contacto com a vida ao ar livre transmontana.
Com apenas dezesseis anos (1841), Camilo casa com Joaquina Pereira de França e instala-se em Friúme (Ribeira de Pena). O casamento precoce parece ter sido resultado de uma mera paixão juvenil, não tendo resistido muito tempo. No ano seguinte prepara-se para ingressar na Universidade, indo estudar com o Padre Manuel da Lixa, em Granja Velha.
O seu carácter instável, irrequieto e irreverente leva-o a amores tumultuosos (Patrícia Emília, a freira Isabel Cândida).
Ainda a viver com Patrícia Emília de Barros, Camilo publicou n'O Nacional, correspondências contra José Cabral Teixeira de Morais, governador civil. Devido a esta desavença é espancado pelo «Olhos-de-Boi», capanga do governador. As suas irreverentes correspondências jornalísticas valeram-lhe, em 1848, nova agressão a cargo de Caçadores 3. Camilo abandona Patrícia nesse mesmo ano, fugindo para casa da irmã, residente agora em Covas do Douro.
Camilo tenta então o curso de Medicina no Porto que não conclui, optando depois por Direito. A partir de 1848 faz uma vida de boémia repleta de paixões, repartindo o seu tempo entre os cafés e os salões burgueses, dedicando-se entretanto ao jornalismo.
Apaixona-se por Ana Plácido, e quando esta se casa, tem, de 1850 a 1852, uma crise de misticismo, chegando a frequentar o seminário que depois abandona. Ana Plácido tornara-se mulher de um negociante de seu nome, Pinheiro Alves, um brasileiro que o inspira como personagem em algumas das suas novelas, muitas vezes com carácter depreciativo. Seduz e rapta Ana Plácido e, depois de algum tempo a monte, são capturados pelas autoridades e depois julgados. Naquela época o caso emocionou a opinião pública pelo seu conteúdo tipicamente romântico do amor contrariado, que se ergue à revelia das convenções e imposições sociais. Presos na cadeia da relação do Porto, escreveu Memórias do Cárcere, tendo conhecido o famoso delinquente Zé do Telhado. Depois de absolvidos do crime de adultério, Camilo e Ana Plácido passam a viver juntos, contando ele trinta e oito anos de idade.
Entretanto, Ana Plácido tem um filho, teoricamente do seu antigo marido, ao que se somam mais dois de Camilo. Com uma família tão numerosa para sustentar Camilo vai escrever a um ritmo alucinante.
Quando o ex-marido de Ana Plácido, falece em 1863, o casal vai viver para a sua casa, em São Miguel de Seide.
Em 1870 vai viver para Vila do Conde motivado por problemas de saúde, aí se mantendo até 1871. Foi em Vila do Conde que escreveu a peça de teatro "O Condenado", bem como inúmeros poemas, crónicas, artigos de opinião e traduções. A peça "O Condenado" é representada no Porto em 1871. Outras obras de Camilo estão associadas a Vila do Conde. Na obra "A Filha do Arcediago", relata a passagem de uma noite do Arcediago com um exército numa estalagem, conhecida pela Estalagem das Pulgas. Essa estalagem pertencera outrora ao Mosteiro de São Simão da Junqueira, e situa-se no lugar Casal de Pedro, freguesia da Junqueira. Camilo dedicou ainda o romance "A Engeitada” a um ilustre vilacondense seu conhecido, o Dr. Manuel Costa.
Camilo Castelo Branco vinha regularmente à Póvoa de Varzim entre 1873 e 1890, perdendo-se no jogo e escrevendo parte da sua obra no antigo Hotel Luso-Brazileiro junto do Largo do Café Chinês. Camilo reunia-se com personalidades de notoriedade intelectual e social, como o pai de Eça de Queirós, José Maria d'Almeida Teixeira de Queirós, magistrado e par do reino, o poeta e dramaturgo poveiro Francisco Gomes de Amorim, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, António Feliciano de Castilho, entre outros. Sempre que vinha à Póvoa, convivia regularmente com o Visconde de Azevedo no Solar dos Carneiros.
Francisco Peixoto Bourbon conta que Camilo, na Póvoa, "tendo andado metido com uma bailarina espanhola, cheia de salero, e tendo gasto, com a manutenção da diva, mais do que permitiam as suas posses, acabou por recorrer ao jogo na esperança de multiplicar o anémico pecúlio e acabou, como é de regra, por tudo perder e haver contraído uma dívida de jogo, que então se chamava uma dívida de honra." A 17 de Setembro de 1877, Camilo viu morrer na Póvoa o seu filho predilecto Manuel Plácido, do primeiro casamento com Ana Plácido, de 19 anos, que foi sepultado no cemitério do Largo das Dores.
Camilo era conhecido pelo mau feitio. Na Póvoa mostrou outro lado. António Cabral nas páginas d'«O Primeiro de Janeiro» de 3 de Junho de 1890, conta: "No mesmo hotel em que estava Camilo, achava-se um medíocre pintor espanhol, que perdera no jogo da roleta o dinheiro que levava. Havia três semanas que o pintor não pagava a conta do hotel, e a dona, uma tal Ernestina, ex-actriz, pouco satisfeita com o procedimento do hóspede, escolheu um dia a hora do jantar para o despedir, explicando ali, sem nenhum género de reservas, o motivo que a obrigava a proceder assim. Camilo ouviu o mandado de despejo, brutalmente dirigido ao pintor. Quando a inflexível hospedeira acabou de falar, levantou-se, no meio dos outros hóspedes, e disse: - a D. Ernestina é injusta. Eu trouxe do Porto cem mil réis que me mandaram entregar a esse senhor e ainda não o tinha feito por esquecimento. Desempenho-me agora da minha missão. E puxando por cem mil réis em notas entregou-as ao pintor. O Espanhol, surpreendido com aquela intervenção que estava longe de esperar, não achou uma palavra para responder. Duas lágrimas, porém, lhe deslizaram silenciosas pela faces, como única demonstração de reconhecimento".
Em 1885 é-lhe concedido o título de visconde de Correia Botelho e posteriormente, a 9 de Março de 1888 casa-se finalmente com Ana Plácido.
Camilo passa os últimos anos da sua vida ao lado de Ana Plácido, não encontrando a estabilidade emocional por que ansiava. As dificuldades financeiras, e os filhos dão-lhe enormes preocupações: considera Nuno irresponsável e Jorge sofre de uma doença mental.
A progressiva e crescente cegueira (causada pela sífilis), impede Camilo de ler e de trabalhar capazmente, o que o mergulha num enorme desespero.
Camilo Castelo Branco, depois da consulta a um oftalmologista que lhe confirmara a gravidade do seu estado, em desespero desfere um tiro de revólver na têmpora direita, às 15h15 de 1 de Junho de 1890, acabando por morrer às 17h00 desse mesmo dia.
Residiu também em Vila do Conde.

A QUEDA DUM ANJO

Introdução
A narrativa retrata a sociedade portuguesa do século XIX. O romance foi escrito e publicado por volta de 1865, e tem traços autobiográficos do autor.

O ambiente social do Século XIX
O personagem principal, Calisto Elói de Silos Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, é um fidalgo rural, do Portugal profundo. Naquela época, as influências externas eram pouco visíveis; as tradições, os modos de falar e de vestir, os comportamentos, tudo se mantinha tal e qual ao longo de gerações. Em especial na província. Nos grandes centros urbanos – Lisboa e Porto – já não era bem assim; as influências estrangeiras eram facilmente adoptadas, mormente pelas classes elevadas, muitas vezes por questões de estatuto social. E isto facilitava a devassidão dos costumes.
Os personagens
Os personagens caricaturam os tipos humanos que se moviam na cena da época. Por exemplo, Calisto Elói representa o imobilismo cultural. E no entanto, tratava – se dum homem erudito. Lia e admirava os autores antigos, em especial do período clássico, bem como os portugueses mais arcaicos. Conhecia e orgulhava – se dos mais longínquos avós. A erudição e o dom de palavra abriram – lhe portas à carreira política. Presidente da Câmara de Miranda, primeiro; deputado ao Parlamento, a seguir. Calisto casou com uma prima que não devia nada à formosura, D.ª Teodora Barbuda de Figueiroa, morgada de Travanca. Este facto tem importância decisiva no desenrolar dos acontecimentos. Outros personagens: Brás Lobato, professor da instrução primária e concorrente de Calisto à carreira política; o boticário; e outros personagens miúdos como os lavradores da região, que contribuíram para o avanço da carreira política de Calisto. Adiante se referirão outros personagens que vão aparecendo à medida que a acção se desenvolve.
Os acontecimentos I – A ascensão
Calisto chegou à Capital e ao Parlamento com o nobre propósito de contribuir com o seu saber para a moralização dos costumes dissolutos que grassavam, segundo a sua opinião. Vestindo à moda de 40 anos antes, apresentou – se no Parlamento. Dotado para a polémica, com dom de palavra, superou o mau aspecto mercê de intervenções que começaram a chamar a atenção, em especial aos parlamentares da oposição. Muito aplaudida e comentada na Imprensa, foi a intervenção que fez sobre a proposta do Dr. Libório de Meireles sobre a reforma das prisões. Refira – se que este Dr. Libório representa um personagem da vida real – o Dr. António Aires de Gouveia, que efectivamente foi autor duma proposta sobre “A Reforma das Cadeias”, e com quem Camilo teve diversas polémicas. Outros episódios houve que lhe granjearam respeito e admiração, mesmo entre os adversários políticos.
Os acontecimentos II – A queda
Como era inevitável, foram as mulheres a causa da queda de Calisto. À semelhança de Camilo. Com 44 anos, influenciado por formosa senhora, filha do desembargador Sarmento, amigo dos primeiros tempos de Lisboa, e bastante mais nova que ele, começou a escrever versos. E pior, queria que ela os ouvisse. Pior ainda: mudou o vestuário, mudou hábitos, mudou de partido, mudou de opiniões. Começou a esquecer e aborrecer a mulher, quase não respondendo às cartas. Mas foi rejeitado. Quis o destino que outra formosa senhora o procurasse, impressionada com os dotes oratórios e a influência de Calisto no Governo, para conseguir uma pensão do Estado. Esta senhora era viúva do general Gonçalo Ponce de Leão, que estivera ao serviço de D. Miguel, e combatera no exército do Imperador do Brasil, D. Pedro II. Estava em graves dificuldades financeiras e achava – se no direito de receber pensão do Estado. Gorada a hipótese do Brasil, pedia socorro a Portugal. Comovido com a situação da pobre senhora, Calisto propôs – se tomar conta dela. Farto que estava da legítima mulher, utilizou recursos do casal para pôr casa a D.ª Ifigénia (assim se chamava ela), o que motivou irada reacção da legítima quando tal soube, através do antigo adversário político de Calisto, o mestre-escola Brás Lobato. A história termina com a consumação dos laços entre Calisto e Ifigénia, bem como entre Teodora e um outro primo – Lopo de Gambôa – que lhe lançou a vista mal soube do desprezo que Calisto lhe votava. E assim acaba o romance: duas traições, o desfazer da sólida casa dum fidalgo à antiga, convertido aos novos costumes e reduzido à condição de simples mortal, frágil como os outros homens.
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Este conhecido romance satírico camiliano tem interesse por variados motivos: dá-nos um quadro dos costumes político-sociais da época, oferece-nos no retrato satírico do protagonista um símbolo do Portugal velho que perde antigas virtudes ao modernizar-se um pouco à pressa e possui em alto grau vigor e vernaculidade de linguagem.
a) Acção.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, é um típico fidalgo transmontano que se esqueceu de acompanhar o progresso. Casado por interesse com a morgada de Travanca, D. Teodora Barbuda de Figueiroa, nunca soube o que era amor; veste à moda antiga; estuda só autores clássicos anteriores a D. Francisco Manuel de Melo, ficando impermeável às doutrinas iluministas; e até pensou ressuscitar a legislação dos forais velhos para governar a Câmara de Miranda, no único dia em que ocupou a presidência.
Numas eleições é escolhido para representar a sua terra no Parlamento, onde pensa lutar pela redução ou até extinção dos impostos. Antes de partir para a Capital, estuda noite e dia os seus velhos alfarrábios e exercita-se na arte de dizer, qual outro Demóstenes, nas margens fragosas do Douro.
Calisto, ainda na sua terra, lera várias descrições de Lisboa, todas anteriores ao terramoto. Não sabia que a cidade tinha mudado muito. Uma vez na Capital, guiando-se pelos desactualizados «in folio», vai à procura de chafarizes monumentais que os livros descreviam em ruas há muito enterradas. Sujeitou-se a ouvir dizer a meia voz: «este homem parece que tem uma cavalgadura magra no corpo...».
No Parlamento, Calisto tornou-se logo notado por falar com rude franqueza, numa linguagem terra a terra. Atacou os juramentos hipócritas, os subsídios concedidos ao teatro, a mania do luxo, etc. A isto chama Camilo «virtuosas parvoiçadas». Os deputados riam.
Teve que se haver com um membro das Cortes, o Dr. Libório Meireles. Este orador liberal usava um estilo barroco, campanudo, melífluo, oco. Calisto dizia não o entender e, em determinada ocasião, ao criticar certa expressão do deputado portuense, desabafou: se o termo -fosse parlamentar, eu diria farelório!
Camilo, que põe na boca do Dr. Meireles alguns excertos da obra do Dr. Aires de Gouveia A Reforma das Prisões, satiriza com verve a oratória parlamentar do tempo.
O morgado de Freimas, dentro e fora das Cortes, é um abencerragem da moralidade: continua a vestir ridiculamente, mostra-se um fiel realista, critica a leitura de romances franceses, não fuma e continua fiel ao seu rapé. Converte até a adúltera Catarina, filha do seu anfitrião, o comendador Sarmento.
Mas, um dia, olhou para a irmã desta, Adelaide. O coração de Calisto descobriu que nunca tinha amado. E ei-lo, do dia para a noite, todo romântico. Começa por mudar de roupas, vai fazendo uns versinhos, corteja a rapariga.
Adelaide repudiou o amor do homem casado, que pouco antes pregara um sermão a uma adúltera. Mas aconteceu vir visitar o desconsolado Calisto a jovem viúva do general Ponce de Leão: brasileira, loira, com trinta anos e a mendigar uma pensão. O morgado, para começar, descobriu parentescos afastados entre os Barbudas e os Ponce de Leão e vá de chamar-lhe «prima». Depois montou-lhe casa.
A transformação que se operou no deputado foi espantosa: deixou crescer o bigode e cavanhaque, vestia pelo último figurino, esqueceu a esposa Teodora, gastou dinheiro a rodos, passou-se para a oposição, separou-se definitivamente da mulher, o demónio.
Camilo, depois de satírizar os fidalgos que pararam o relógio da cultura nos fins do século XVII, verbera com acrimónia a oratória parlamentar do tempo, a hipocrisia dos políticos e fidalgos, a perversão dos meios citadinos, a caça às condecorações e comendas, etc.
b) Personagens.
Calisto Elói. É um tipo de fidalgo ferozmente tradicionalista, que se moderniza e perverte ao mergulhar na vida da cidade, que ignorava. Dotado de formação intelectual anacrónica e desfasada da realidade, apoiada numa excessiva credulidade em alfarrábios desactualizadissimos, é ele o «anjo» (em Trás-os-Montes e nos primeiros tempos da estadia em Lisboa) que dá uma estrondosa «queda» na Capital. O convívio com uma bela mulher e um curto arejamento de civilização em Paris levaram-no a modificar de alto a baixo o modo de trajar, os costumes sóbrios, a ideologia política e até o estilo oratório (antes de feição rude e directa, causando ora admiração ora zombaria pela franqueza e desassombro, depois melífluo e incolor).
Há quem diga que esta personagem é um decalque imaginoso de um Teixeira da Mota, fidalgo de Celorico que, eleito deputado, se transformou em Lisboa num libertino de primeira ordem.
Teodora. Esposa de Calisto, «ignorante mais que o necessário para ter juízo» (cap. 1), é uma prosaica fidalga rural. Após a «queda» do marido, para quem pouco mais tinha sido do que mulher de trabalho, também ela caiu, mesmo sem abandonar a província, ligando-se oportunamente a um primo interesseiro.
Dr. Libório Meireles. O «Doutor do Porto», com quem Calisto embirra solenemente nas Cortes, é um espécimen de orador parlamentar balofo, palavroso, afectado, formalista. Afirma-se que nesta personagem pretendeu Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de Gouveia, lente, ministro e par do Reino.
Ifigénia. É uma atraente brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão, que se aproxima de Calisto a pedir os seus préstimos no intuito de obter uma pensão em atenção aos serviços prestados à Pátria pelo defunto marido. Nela descobre o faro genealógico de Calisto uma «prima» que, num abrir e fechar de olhos, se transforma na sua «mulher fatal».
c) O espaço e o tempo.
O espaço físico d' A Queda dum Anjo é constituído por uma aldeia transmontana do termo de Miranda (Caçaremos) e por Lisboa. Este espaço físico reveste-se de características inconfundíveis que sem dificuldade o transformam em espaço social: Caçarelhos é a terra provinciana atrasada, impermeável ao progresso, estrangulada por costumes quase medievais;
Lisboa é a cidade que desperta tardiamente e procura modernizar-se um pouco à sobreposse, sofrendo uma notória e perniciosa degeneração de costumes ocasionada por um processo civilizatório eivado de materialismo que a Regeneração favorecia.

O tempo da narração — «hoje» (cap. 1) — coincide com o ano civil de 1864. O tempo da história é anterior. Calisto nasceu em 1815 (cap. 1), casou por volta dos vinte anos (cap. 1), talvez cm 1835, ocupou a presidência da Câmara de Miranda em 1840 (cap. 1), veio para as Cortes em fins de Janeiro de 1859 (cap. 4), e aí permaneceu durante um triénio. E neste triénio que se desenrola a acção fulcral da novela.
Outras referências expressas ao tempo: «noite de Abril» (cap. 21), «fecharam as câmaras» (cap. 25), «pleno estio» (cap. 26), «dois meses depois de fechado o parlamento» (cap. 27), «Outubro daquele ano» (cap. 32), «abriram-se as câmaras» (cap. 33), -decorreram alguns meses... fechado o triénio da legislatura» (cap. 36).


As intensões críticas da obra
1.A ignorância dos morgados e o atrazo em que vive o interior do país;
2.O casamento por interesse, causa de frustrações afectivas;
3.O passado, tempo de virtudes fundamentais, mas incapazes de fermentar o presente;
4.O tempo da regeneração, tempo de algum progresso, mas também de muita corrupção;
5.O desfasamento entre o discurso de "caça aos votos" e a prática parlamentar;
6.A defesa da língua portuguesa;
7.O valor positivo da sexualidade: o amor, assumido pessoalmente, é fecundo e agente de transformação;
8.Destruição do conflito milenar entre o prazer amoroso e o pecado/remorso.

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