quarta-feira, 16 de maio de 2012

LIRISMO E A SÁTIRA DE GREGÓRIO DE MATOS

Gregório de Matos
(1636-1695)
O BARROCO
INTRODUÇÃO
        O Barroco foi o estilo artístico dominante na Europa durante o século XVII e a primeira metade do século XVIII. Houve no Brasil, dois Barrocos, o baiano, com VII, e o mineiro, predominantemente na arquitetura e nas artes plásticas, no século XVIII.
CARACTERÍSTICAS
1.   Oposição ao racionalismo clássico
2.   Dualismo (o homem dividido)
3.   Diferentes linhas estruturais
a)   Maneirismo
b)   Cultismo
c)   Conceptismo
d)   Barroquismo
GREGÓRIO DE MATOS
        Gregório de Matos passou para a história da literatura brasileira como poeta maldito. Conhecido na Bahia como “Boca do Inferno”, fez jus a esse apelido devido à ácida critica que fazia à sociedade de seu tempo por meio de sua poesia satírica, não poupando nem aristocracia, nem o clero, nem mulheres.
         Coexistem em suas obras tendências bastantes variadas:
·         Poemas satíricos de critica ao meio social;
·         Poemas líricos resultantes de paixões momentâneas;
·         Lírica sacra, resultante da reflexão religiosa
POESIA LÍRICO-AMOROSA
        A poesia lírico-amorosa de Gregório é fortemente marcada pelo contraste, a identificação entre os opostos, característica do Barroco. A noção de pecado é muito forte, a mulher é, por um lado, um anjo e por outro, demoníaca. Ele insiste na imagem imposta pela ideologia católica, confundindo o amor e o encanto com sedução pecaminosa.
O amor é retratado como fonte de prazer e sofrimento
- A mulher é retratada como um anjo e fonte de perdição (pois desperta o desejo carnal)
Texto
No texto a seguir rompe o Poeta com a Primeira Impaciência Querendo Declarar-se e Temendo Perder Por Ousado

Anjo no nome, Angélica na cara,
Isso é ser flor, e Anjo juntamente,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, se não em vós se uniformara?
Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus, o não idolatrara?
Se como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu custódio, e minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Vocabulário
Uniformar: tornar uniforme, com uma só forma
Galharda: elegante
POESIA LÍRICO-RELIGIOSA (SACRA)
Características
- O autor está dividido entre pecado e virtude (sente culpa por pecar e busca a salvação)
- O autor vê o pecado como um erro humano, mas também, como a única forma de Deus cometer o ato do perdão.
- O eu-lírico, muitas vezes, se comporta como advogado que faz a própria defesa diante de Deus (para tal, usava, até mesmo, trechos da Bíblia)
TEXTO
Ao mesmo assunto e na Mesma Ocasião

Pequei Senhor: mas não porque hei pecado,
Da vossa Alta Piedade me despido:
Antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, já cobrada,
Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória
Vocabulário
Despido: despeço
Sobeja: sobra
Cobrada: recuperada

  A poesia sacra de Gregório de Matos às vezes é simples pretexto para exercício do cultismo. Veja o jogo de palavras no poema a seguir.

O todo sem parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo

Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

Poesia satírica
O “Boca do Inferno” não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros, brancos e mulatos, padres, freiras, autoridades civis e religiosas, amigos e inimigos, todos, enfim, eram objeto de sua “lira maldizente”.
      O governador Câmara Coutinho, por exemplo, foi assim retratado:
      “Nariz de embono
      com tal sacada,
      que entra na escada
      duas horas primeiro
      que seu dono.”

      Contudo, o melhor de sua sátira não é esse tipo de zombaria, engraçada e maldosa, mas a crítica de cunho geral aos vícios da sociedade. Sua vasta galeria de tipos humanos contribui para construir sua maior e principal personagem - a cidade da Bahia:

      “Senhora Dona Bahia,
      nobre e opulenta cidade,
      madrasta dos naturais,
      e dos estrangeiros madre.”
      A cidade é assim descrita num poema:
      “Terra que não aparece
      neste mapa universal
      com outra; ou são ruins todas,
      ou ela somente é má.”

      Mas nem sempre o poeta é rancoroso com sua cidade. No famoso soneto “Triste Bahia”, já musicado por Caetano Veloso, Gregório identifica-se com ela, ao comparar a situação de decadência em que ambos vivem. O poema abandona o tom de zombaria das sátiras para tornar-se um quase lamento:

      “Triste Bahia! ó quão dessemelhante
      Estás e estou do nosso antigo estado!
      Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
      Rica te vi eu já, tu a mim abundante.”

      Depreende-se desse texto que as sátiras de Gregório de Matos desagradavam a muita gente. Por isso ele defende seu direito de escrevê-las.

      Aos vícios
      Eu sou aquele, que os passados anos
      cantei na minha lira maldizente
      torpezas do Brasil, vícios e enganos.
      [...]
      De que pode servir, calar, quem cala,
      Nunca se há de falar, o que se sente?
      Sempre se há de sentir, o que se fala?
      Qual homem pode haver tão paciente,
      Que vendo o triste estado da Bahia,
      Não chore, não suspire, e não lamente?
      [...]
      Se souberas falar, também falaras,
      Também satirizaras, se souberas,
      E se foras Poeta, poetizaras.
      A ignorância dos homens destas eras
      Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
      Que a mudez canoniza bestas feras.
      Há bons, por não poder ser insolente,
      Outros há comedidos de medrosos,
      Não mordem outros não, por não ter dentes.
      Quantos há que os telhados têm vidros,
      E deixam de atirar sua pedrada
      De sua mesma telha receosos.
      Uma só natureza nos foi dada:
      Não criou Deus os naturais diversos,
      Um só Adão formou, e esse de nada.
      Todos somos ruins, todos perversos,
      Só nos distingue o vício, e a virtude,
      De que uns são comensais outros adversos.
      Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
      Esse só me censure, esse me note,
      calem-se os mais, chitom, e haja saúde.
      Vocabulário
      canonizar: considerar santo, incluir no rol dos santos;
      quem maior a tiver: quem tiver virtude maior;
      chitom: silêncio (do francês “chut donc”)

A produção satírica de Gregório de Matos não foi incomoda apenas para seus contemporâneos, esta parte de sua obra, principalmente em seus momentos mais "fortes", foi muitas vezes censurada e cortada em várias antologias escolares. Portanto, antes da analise do poema gregoriano, Torna a definir o poeta os maus modos de obrar na governança da Bahia, principalmente naquela universal fome de que padecia a cidade, iremos analisar etimologicamente a palavra SÁTIRA e SÁTIRO.
A sátira age sobretudo pela deformação caricatural daquilo que se pretende atacar ou desmoralizar. Contém, com freqüência, uma intenção reformadora, porque o conceito de sátira está ligado ao sentimento de indignação e à vontade de moralizar os costumes. Como elemento motivador da sátira, distingue-se o senso do ridículo, que é a percepção do lado cômico de personagens, situações e idéias.
E é com o estilo satírico que desenvolveremos um estudo mais direcionado a Gregório de Matos, ele que pretendia, através da sátira, manifestar explicitamente o funcionamento dos discursos do poder. Em seus poemas utiliza de elementos como a "malandragem", "plágio", "imoralidade", "adultério", "inveja", "racismo", "realismo", "furto", "repúdio", "libertinagem" e "promiscuidade". Portanto, partiremos para a análise deste discurso satírico de Gregório de Matos, no seu poema Torna a definir o poeta os maus modos de obrar na governança da Bahia, principalmente naquela universal fome de que padecia a cidade.
Que falta nesta cidade?................Verdade (1)
Que mais por sua desonra?...........Honra (2)
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha. (3)


O demo a viver se exponha, (4)
Por mais que a fama a exalta, (5)
numa cidade, onde falta (6)
Verdade, Honra, Vergonha. (7)

Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio (8)
Quem causa tal perdição?.............Ambição (9)
E o maior desta loucura?...............Usura. (10)

Notável desventura (11)
de um povo néscio, e sandeu, (12)
que não sabe, que o perdeu (13)
Negócio, Ambição, Usura. (14)

Quais são os seus doces objetos?....Pretos (15)
Tem outros bens mais maciços?.....Mestiços (16)
Quais destes lhe são mais gratos?...Mulatos. (17)

Dou ao demo os insensatos, (18)
dou ao demo a gente asnal, (19)
que estima por cabedal (20)
Pretos, Mestiços, Mulatos. (21)

Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos (22)
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas (23)
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos. (24)

Os círios lá vêm aos centos, (25)
e a terra fica esfaimando, (26)
porque os vão atravessando (27)
Meirinhos, Guardas, Sargentos. (28)

E que justiça a resguarda?.............Bastarda (29)
É grátis distribuída?......................Vendida (30)
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta. (31)

Valha-nos Deus, o que custa, (32)
o que El-Rei nos dá de graça, (33)
que anda a justiça na praça (34)
Bastarda, Vendida, Injusta. (35)

Que vai pela clerezia?..................Simonia (36)
E pelos membros da Igreja?..........Inveja (37)
Cuidei, que mais se lhe punha?.....Unha. (38)

Sazonada caramunha! (39)
enfim que na Santa Sé (40)
o que se pratica, (41)
é Simonia, Inveja, Unha. (42)

E nos frades há manqueiras?.........Freiras (43)
Em que ocupam os serões?............Sermões (44)
Não se ocupam em disputas?.........Putas. (45)

Com palavras dissolutas (46)
me concluís na verdade, (47)
que as lidas todas de um Frade (48)
são Freiras, Sermões, e Putas. (49)

O açúcar já se acabou?..................Baixou (50)
E o dinheiro se extinguiu?.............Subiu (51)
Logo já convalesceu?.....................Morreu. (52)

À Bahia aconteceu (53)
o que a um doente acontece, (54)
cai na cama, o mal lhe cresce, (55)
Baixou, Subiu, e Morreu. (56)

A Câmara não acode?...................Não pode (57)
Pois não tem todo o poder?...........Não quer (58)
É que o governo a convence?........Não vence. (59)

Que haverá que tal pense, (60)
que uma Câmara tão nobre (61)
por ver-se mísera, e pobre (62)
Não pode, não quer, não vence. (63)

Analisar o poema gregoriano exige um olhar critico e observador. É necessário compreender as figuras de linguagem, a mensagem e as formas como as palavras vêm arrumadas no poema. De inicio, o título do poema é instigante, causa no leitor uma estranheza por ser um pouco extenso. Este, porém, revela uma característica única do autor, que vem satirizando de forma aguda o governo estabelecido na Bahia, bem como, as autoridades religiosas, os militares e o "povão" em geral.  
 Neste poema, há uma critica óbvia à promiscuidade e a libertinagem (versos 46 a 49), ao racimo (18 a 21), imoralidade (versos 11 a 14), assim como também, à incompetência e à desonestidade. Por meio de falsas perguntas, para as quais o poeta oferece respostas, Gregório vai decompondo o interior da organização social. Este procedimento parece dar um certo didatismo, reforçado pelo processo de disseminação e recolher, muito comum na poesia barroca. Primeiro, as palavras se disseminam, se dispersam para depois serem recolhidas, reunidas num mesmo verso. Assim, cria-se um tom conclusivo no final das estrofes. Conclusão que abrange desde morais (verdade, honra, vergonha) e abstratos até os motivos concretos da degradação desde valores (negócio, ambição, usura) e seus principais agentes: pretos, mestiços, meirinhos, guardas, etc.
Neste poema, o mundo presente é insatisfatório, corroído pela inversão de valores. O honesto é pobre; o ocioso triunfa; o incompetente manda. O racismo e a libertinagem são representados de maneira inversa: o racismo pela ascensão do negro e a libertinagem pelo declínio do clero. No discurso satírico de Gregório, os termos "negros", "mulata", "puta", "mestiços", etc., aplicam-se também como metáforas estereotipadas, como caracterização pejorativa e insulto.
 Como vemos, do alto da pirâmide social a "rale", dos donos do poder aos mestiços, todos são responsáveis pela universal fome que padecia a Bahia. As estrofes se assemelham do ponto de vista das rimas, quando nos três primeiros versos são rimas horizontais; nos quatro restantes, rimas verticais; e de sua disposição gráfica: estrofes de três versos seguidas de estrofes de quatro versos, sendo o último um conjunto de sete versos que compõe cada esquema duplo de estrofes.      

Que falta nesta cidade?................Verdade         Rimas horizontais
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.

O de mo a vi ver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,          Rimas verticais (opostas)
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Em termos de conteúdo, as estrofes também se assemelham: do abstrato para o concreto (verdade, honra, vergonha... negócio, ambição, usura), dos tipos sociais às instituições, do povo néscio a El-Rei, Gregório de matos vai decompondo a organização de uma sociedade barroca baiana. A coloquialidade da linguagem, o uso de termo "de baixo calão", o tom de oralidade e principalmente a arrasadora critica que faz às desigualdades mostra como é forte o discursos satírico de Gregório, um poeta ligado às questões sociais e publicas, que também defende momentos melhores para sua terra, a Bahia.
Portanto, o discurso satírico de Gregório serve para criticar os costumes e preconceitos de uma sociedade e muitas vezes, a critica feita a comportamentos explícitos ou encobertos, pode-se transformar em uma denuncia a atos dissimulados que contrariam a ordem e as normas humanas.
No que se refere à teoria de Sartre (2004), conclui-se que o poeta é engajado sim, e Gregório de Matos e Guerra caminhou por essa linha de engajamento. Por isso mesmo ele foi um homem amado e odiado. Numa antítese tipicamente barroca, ele andou pelas trevas, mas também conheceu a luz, tudo em busca de uma poesia feita para o OUTRO. Assim, fica o mito eternizado e o Cânone brasileiro Gregório de Matos e Guerra.

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